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Entre as mais pobres, carga de trabalho chega a quase o triplo

Fator cultural é forte. No Japão, diferença é maior que no Brasil

Cássia Almeida

Dupla jornada

Menos renda, mais trabalho dentro de casa. Pelos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), as mulheres que trabalham e ganham até meio salário mínimo gastam o triplo de horas no trabalho doméstico em relação ao tempo dispendido pelos homens. São 29 horas e 14 minutos da mulher contra dez horas e 45 minutos do homem. O difícil acesso a eletrodomésticos que diminuem esse fardo sobre os ombros femininos pode explicar a distância maior entre homens e mulheres. Aliás, a renda afeta menos os homens no tempo gasto cuidando da casa. Sem renda, quase 11 horas, com mais de 20 salários no contracheque, 7 horas. Já para a mulher, o tempo cai de 29 para 12.

 

 

 

– Os afazeres crescem em famílias mais pobres. E essa carga fica com a mulher – afirma Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE.

O acesso a máquina de lavar e micro-ondas reduz o tempo gasto com os afazeres:

– Deveria ter uma política permanente para facilitar a compra desses eletrodomésticos, para reduzir o tempo gasto pela mulher com essas tarefas – diz Clara Araújo, professora de pós-graduação em Ciências Sociais da Uerj e pesquisadora das questões de gênero.

Em 2011, pela primeira vez, a máquina de lavar esteve presente em mais de 50% dos mais de 60 milhões de lares brasileiros. O governo prorrogou até dezembro a redução de IPI para eletrodoméstico num momento em que começa, já tarde, a diminuir a população feminina empregada no trabalho doméstico remunerado. Ainda são, no entanto, 6,9 milhões de mulheres nesse trabalho que paga em média pouco mais de R$ 600 por mês.

– Pesquisa sobre a mulher feita pela Fundação Perseu Abramo mostrou que 25% das entrevistadas eram donas de casa. Desse total, 30% disseram que deixaram o trabalho para tomar conta dos filhos. Outros 16%, por não conseguirem dar conta do trabalho da casa – diz Clara.

Distância salarial também diminui devagar

O fator cultural responde por boa parte dessa distância, na opinião de Azeredo:

– É o homem que sempre senta na cabeceira da mesa – diz.

Essa percepção é atestada por pesquisa. A socióloga Clara afirma que um levantamento feito em seis países mostrou que no Japão, apesar do desenvolvimento socioeconômico, o tempo gasto pelas mulheres em relação ao dos homens era maior que no Brasil.

– Nos países escandinavos, onde há políticas públicas de bem-estar social mais consolidadas e ações afirmativas para liberar a mulher para o mercado de trabalho, a distância diminui.

Clara reforça ainda mais esse fator cultural. Quando a mulher casa, o tempo com o lar aumenta. Já com o homem acontece o inverso: casamento significa menos trabalho doméstico.

De acordo com Elisabete Dória Bilac, socióloga da Unicamp, pesquisa em andamento em Campinas e na Baixada Santista mostra que os homens até ajudam mais com os filhos, mas o "chamado núcleo duro do trabalho doméstico" ainda é todo da mulher.

Não está congelado, mas a distância salarial encurta também devagar. Segundo Azeredo, do IBGE, em 2009, as mulheres ganharam 67,1% do ganho dos homens. Em 2011, essa parcela subiu para 70,4%.